quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

90 minutos de Chimoio - Década de 70

Após uma curta temporada no Brasil, pouco mais do que 2 ou 3 meses em 1972, voltamos a Moçambique agora sem a companhia e proteção do Pai que se mandou para outras dimensões sem aviso prévio.
Nasci em Maputo, mas passei os meus primeiros anos de vida na Beira. A nossa primeira casa nesta cidade era na Ponta Gea e em um pulo estávamos no ATCM para ver largadas de etapas de rallys, entre outros eventos automobilísticos. Ali, como qualquer criança, criava o meus ídolos. Projetava o meu futuro igual àqueles que dominavam ali as baratas, com roncos mais sonoros que qualquer rugido dos leões mais poderosos da Gorongosa.
O “S” de Sena e o “F” de Fittipaldi eram naqueles tempos o “S” de Serras Pires e “F” de Feijão. Serras Pires era para mim sinônimo de corredor, não me importava a idade dos membros desta família. Ir à praia do Inhangau e parar a meio caminho no charmoso Mini Gurué dos Serras Pires não era só diversão. Era o orgulho infantil de compartilhar do ambiente da família de corredores. Era história para contar na segunda feira na Escola do Macúti. Eram os Serras Pires e os caranguejos gigantes que caçávamos na Praia do Inhangau.

Mas falava eu que havíamos voltado a Moçambique, em 1972. Desta vez nem Lourenço Marques, atual Maputo, nem Beira. Depois de um ano letivo no Zónué, perto de Vila Manica, onde vivi e estudei acarinhado pelos tios Moreira de Carvalho (Tio Manel e Izabel e Tio Zé e Augusta), fui ao encontro da minha Mãe e irmãos em Vila Pery. E para não ter tantas saudades da Beira, aparece a turma de corredores na cidade para disputarem os 90 minutos de Chimoio e antes da corrida fazem uma etapa de controle de habilidade e tempo. Nunca havia esquecido esse dia, e para minha felicidade o muito querido Tio Zé, e filhos, têm registrado umas poucas imagens desta etapa em 8mm. 
Cliquem abaixo...



sábado, 11 de janeiro de 2014

Visita a Moçambique - 4a. Parte


Para fechar o domingo.


9 de Maio de 2012 às 11:47


Depois de um cafezinho bom e quentinho, voltamos a subir a marginal e vieram nos trazer ao Hotel Hoyo Hoyo. A Maria deixou-nos para ir atender outro compromisso, mas a Teresinha ficou a nos dar apoio. Fez questão de vir ver se os quartos eram os que havia reservado. Pela desenvoltura dela no hotel e no relacionamento com os funcionários fiquei a pensar se ela está na profissão certa. Parece-me uma verdadeira operadora de turismo ou de uma agência especializada em dar apoio a pessoas que vêm a Moçambique, a turismo ou a trabalho.


O Hoyo Hoyo é um residencial simples, limpo e com um restaurante de comida goesa. Boa comida goesa. Já fui me imaginando naquele primeiro fim de tarde comendo umas chamuças e a tomar uma cervejinha. Afinal ainda era domingo!

O quarto pequeno, mas aconchegante. Uma varandinha que dá para a traseira do hotel onde se vê um jardim bem tropical.

A Teresinha alerta que já passavam do meio dia. Não tinha apetite, talvez pela adrenalina, pelo excitamento com o que já tinha visto nas poucas horas que desfrutava de Maputo e suas gentes. Ouvi também do Marcos não estar com fome para almoçar logo... pois, não era bem a adrenalina que me tirava a fome. É que para nós eram um pouco mais do que as sete da manhã do Brasil. Mas estávamos em Maputo e acompanhados pela Teresa que não tinha nada com isso. O fuso aqui lhe pertence e nem me atrevi a lembrar-lhe o nosso. Ela propõe almoçarmos no Piripiri. Magicamente me bateu a fome! Pensei cá comigo: Essa foi um golpe de mestre da prima! Uma galinha do Piripiri!!!

Seguimos para lá e depois de atravessarmos a antiga Pinheiro Chagas, agora Eduardo Mondlane, fomos por ela por dois quarteirões até à Av. Julius Nyerere onde se vê logo o prédio onde fica instalada a Embaixada de Portugal que próximo, à sua esquerda, fica o Xenon. Chegando à Julius Nyerere vamos à direita até à esquina da 24 de Julho onde entramos de novo à direita e chegamos ao Piripiri.

Foi o primeiro momento que me faltaram joelhos... tipo as pernas dobrarem por falta de fixação. Sensação esquisita. Talvez tivesse mesmo há muito tempo a guardar a vontade de comer uma galinha do Piripiri. Só consigo explicar dessa forma. Depois peço a umas amigas curitibanas e freudianas para me ajudarem a entender isso. Parei realmente para refletir no momento que estava passando. Tipo filme com um nome “O retorno”. Vivi e vivo um filme... eu estou num filme!

Como a educação manda, e naquele momento ajudava-me a fazer as coisas devagar, deixei a Teresinha e o Marcos entrarem na frente e passo em seguida para o lado de dentro do restaurante. Na primeira mesa que visualizei estava um super simpático casal e reparei que o senhor fez algum comentário com a esposa, tipo é o Zé Paulo. Um raio de memória atualizada me fez perceber que estava de frente de um antigo vizinho de quarteirão no Macúti, na Beira! A reação foi de um automático abraço. Era o Tonecas! O Tonecas!!! Tenho falado tanto com a Manecas e ela me havia mandado uma mensagem pelo Face dizendo para eu o procurar. Só fui ler essa mensagem depois de o ter encontrado. Era o Tonecas, sem marcarmos, no primeiro lugar que entrei e já reencontro um antigo vizinho da Beira em Lourenço Marques... em Maputo, melhor dizendo. Juntamos mesas e almoçamos prazerosamente em um bom papo. Boa conversa que acabou por ser fonte, através do Pedro, o antigo Tonecas, e da Teresinha, de visões sobre o Moçambique atual que nos são importantes, mesmo que aparentemente subjetivas, para nos ajudarem nas avaliações que viemos aqui fazer.

O casal Nogueira já havia feito o seu pedido. Nós pedimos, claro, uma galinha do Piri-Piri...sem piri-piri... Trouxeram agora o piri-piri. Dois! Um verdinho e outro vermelhinho. O verdinho quentinho e super gostoso, e o vermelhinho super quente, como dizem os baianos no Brasil. Uau! A galinha ficou mesmo à Piri-Piri. Boa como nunca! Cerveja 2M tirada na máquina e servido no fininho, ou seja, o chopp na tulipa super gelado!

O preço da galinha para os três foi de 600,00 meticais, mais a cerveja e refrigerante. Algo em torno de 40 reais. Barato para os padrões brasileiros. Bom para apreciadores de galinha ao Piri-Piri.

Será que começou bem a semana em Moçambique? Só não pensem que me esqueci daquele fim de tarde tomando uma cerveja e comendo chamuças. Começamos por uma Laurentina, depois veio a Manica e por fim a 2M, mas não mais tirada na máquina no fininho. Todas elas muito boas, mas a Manica, tanto para o meu paladar como para o do Marcos, é a mais redonda. Pelo menos antes de ultrapassarmos as duas primeiras porque depois a gelada é sempre a melhor.


Vamos agora é tentar dormir, que amanhã temos agenda a cumprir...

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Visita a Moçambique - 3a. Parte

Cambiar a moeda que estamos em Moçambique.


7 de Maio de 2012 às 21:54

Saímos do aeroporto com destino ao Shopping Maputo, pois queríamos trocar uns dólares; afinal esta economia funciona é em Meticais. Os números aqui são grandes e isso porque faz relativamente pouco tempo que foram cortados três zeros da moeda nacional. Faz-me lembrar do tempo dos planos econômicos brasileiros, em especial o Plano Real, onde também no Brasil houve a necessidade de se cortar zeros para se ter uma visão mais consistente do valor da moeda. O cambio com o dólar está próximo a 25 Meticais. Em relação ao Real brasileiro esta, em valores arredondados, valendo 15 Meticias.

A primeira avenida que buscamos para ir até ao Maputo Shoping foi a Av. Acordos de Lusaka, salvo erro, e a primeira coisa que me chama atenção é uma placa, tipo outdoor, que o ator, a personagem comercial de uma rede de telefonia celular, é um negro. Não que fosse isso uma novidade para mim. O mundo hoje nos proporciona acesso às informações de forma ainda mais rápida do que atravessar o Atlântico e o continente africano em oitos horas em um Air Bus 330. Já havia visto comerciais de Moçambique com este perfil. É claro que este anuncio nem mesmo me deveria chamar atenção, não pelo motivo que aqui levanto. Mas o facto é que aqui estando me chamou. Estava em um Moçambique diferente! Pode haver ainda muito a mudar, a melhorar, a se ajustar, mas Moçambique é mesmo outro e o ter um anuncio onde o agente promovedor de um produto é negro só pode nos apontar que algo de mais justo, coerente, existe na sociedade deste país de tenra idade. Vê-se a movimentação de muita gente, mais velhos e mais novos, crianças, em uma maioria de negros que nem eram filhos de e ou “mainatos” lá de casa ou do meu vizinho. Era uma população ativa, com movimento, com altivez de um povo que antes me tratariam por menino, e com os cabelos brancos que tenho agora talvez por patrão sem mesmo que lhes pagasse uns cifrões por um serviço prestado. Até porque não havia a necessidade de se ter um funcionário para ser tratado como patrão no Moçambique do antigamente. Mas imagino que até o fim da temporada por cá ainda veja outdoors com atores de outros tons de pele. Digo isso por questões conceituais, de valores necessários em qualquer sociedade, para não ficar com a impressão de uma politica de exceção ao inverso em relação aos tempos da outra senhora, como mesmo por questões mesmo econômicas. Ou seja, que a população consumidora não seja identificada restritivamente pelas cores da pele porque o resultado das vendas podem não ser as que se esperam ou as que se poderiam alcançar.

Seguimos adiante e logo me deparo com uma praça, tipo retunda (balão ou rotatória para os brasileiros), onde está um imponente monumento aos heróis moçambicanos. No extremo de um alto mastro balança uma bela Bandeira de Moçambique que para ela direciono o meu olhar e disfarçadamente, para que não me gozassem os que me acompanhavam no carro, principalmente o colega brasileiro que possivelmente não entenderia o gesto e o valor que o mesmo me tinha naquele momento, ainda que ali havia uma forma de brincar comigo mesmo,... sim, levei a mão próximo à testa como a ela batesse continência. Não a ela, mas a tudo que ela representa e que ainda haverá de representar.

Vou chegando a um lugar familiar, um conjunto de prédios com uma distribuição que me está gravada na memória até então.
Prédios da Coop
Era ali que a minha prima Kikas, e os irmãos moravam num décimo andar do “PH 4” junto aos tios Perdigões. Aquela prima... acho que vocês podem me entender. Um dia, já no Brasil, ela deixou de ser a minha prima Kikas para ser a minha mulher Cristina, mãe da carioca Sofia, que foi concebida em Recife, e do curitibano Filipe, os meus filhos. Pois é Sofia e Filipe, estou aqui onde de alguma forma começou a ser formatada a vossa vinda ao mundo. Ali, naquele décimo andar, muitas vezes eu e a vossa mãe brincamos de marido e mulher, eu e ela formando um casal e os vossos Tio Tó Maria e Tia Jana formavam outro. Trocar? Nã, nã, nada disso! Já naquele tempo não tinha cá troca troca!!! O nosso filho era um boneco de pano, que era um macaco que ficava ensopado de tantas injeções que lhe dávamos com uma seringa cheia de água. Ainda lá vou amanhã para ver aquilo com calma e fotografar. Vou lá ver se encontro a Xandinha Guimarães a brincar na caixa de areia que ficava no parquinho entre os PH2 e 3. Já deu para perceber que os prédios iriam agradecer uma pintura. A movimentação de pessoas na região é imensa. A avenida que passa por trás dos prédios, de algumas más memórias em um setembro trágico, tem vida, muita gente, é a mesma COOP, mas 37 anos depois, com mais agitação mas com má manutenção predial, pelo menos no que percebi no visual externo.

São Marchilde, Polana, marginal, aquela do passeio dos tristes das tardes de domingos, e lá chegamos ao imponente Maputo Shopping.
A caminho da Marginal... 
Não poderíamos demorar, pois a Maria que nos ciceroneava e pilotava o veículo que carregava as malas e a nós, tinha ainda compromisso. Em quanto “parqueava” já nos foi deixando à porta e fomos os três, eu, Marcos e a Teresinha, andando para a casa de câmbio. Trocamos a moeda internacional, o tal dólar, por meticais da economia local. Depois fomos a uma loja de uma operadora de celulares onde comprei um chip para poder me comunicar aqui com um custo mais adequado do que estar a usar o do Brasil. O Marcos também contratou um serviço para poder ter acesso a dados pelo aparelho do celular, o que lhe é fundamental para acompanhar o mercado internacional de cereais.

Depois a Terezinha acabou por convencer a Maria que ela ainda poderia dispender de um tempinho para irmos tomar um café antes de nos levar para o hotel. Saímos do interior do shopping para o estacionamento e fomos nos direcionando para um café que fica ainda dentro do recinto do shopping, tipo uma esplanada. Nisso vem ter comigo um senhor, simpático e sorridente, e já me vai estendendo a mão para uma troca de apertos de mão e me diz: “ Tudo bem? Estive consigo no aeroporto...” Porra!!! Estes gajos me apanharam. Não paguei o almoço do homem. O sorriso dele me faz lembrar muito o do rapaz simpático do aeroporto. Deve fazer parte do grupo cobrador de pedágio para que as malas sejam abertas. Pelo menos uma delas!

Antes que pudesse eu viajar ainda mais na maionese, sinto a mão da Teresinha agarrar-me o braço e a dizer-me: Não dês asa a esse gajo. Puxa conversa contigo e daqui a pouco está a te pedir dinheiro. Quando olhei para tentar marcar a cara do senhor simpático já não lhe pus os olhos. Mandou-se! Acho que o gajo reconheceu a voz da Terezinha de alguma outra ocasião.

Amanhã tem Piri-Piri...

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Visita a Moçambique - 2a. Parte

A retirada das bagagens

7 de Maio de 2012 às 7:33


O avião encosta junto ao finger, mas depois de uma espera de algo em torno de 5 minutos desistem de fazer aquilo funcionar e colocam umas escadas para descermos. Teriam eles ouvido as minhas preces? Eu quero é pisar o chão moçambicano, pensava eu. Nada de tapetes ou passarelas artificiais.

Descemos do avião, com a mochila com as máquinas fotográficas e notebook nas costas, pasta em uma das mãos, me fizeram refletir e decidir por ainda não ser aquele momento certo para me abaixar e tocar com as palmas da mão aquele chão de concreto do pátio das aeronaves. Aproveitava o sentido do olfato e relembrava os cheiros de Lourenço Marques. Incrível a capacidade da memória dos 5 sentidos, inclusive a dos cheiros. Cheiros africanos da agora Maputo.
Seguimos para a sala de desembarque onde temos pequenos balcões com formulários em branco para preenchermos. A burocracia de todos os países. Formulário para sair, formulário para entrar. Com o documento devidamente preenchido nos dirigimos à funcionária da alfandega que irá vistoriar a nossa documentação. Pensei cá para mim: “Que esta miúda não seja partidária do senso de humor sádico da menina de Guarulhos e não me faça nenhuma partida!” Nada! Pegou o formulário, olhou o visto no passaporte e “Seja bem vindo!”. Soube-me mesmo bem ouvir aquilo.
Vamos para a esteira esperar a nossas malas. Sempre aparece aquele lado negativo da possibilidade do extravio da bagagem, mas logo apontam na entrada da esteira. Enquanto tiro a mala da esteira aparece um rapaz de cara simpática a me dar o bom dia e diz: É uma mala só? Ao qual respondo que sim, que a minha era uma só, mas havia também a do meu colega. ”Podes deixar. Diz-me só qual é que eu pego. Levo-as lá fora para vocês. Trabalho aqui e assim eles não vão abrir as malas para as ver”. Certo, mas e quanto é que me vais cobrar de frete para nos levar essas malas lá fora, perguntei-lhe. “Ê, pá! Não te preocupes. Isso é o meu serviço”. Bem, vamos lá. Não me vai quebrar assim tanto. Lá fora tenho a minha querida prima Teresinha e a filha Maria que se necessário ajudam-me a por o rapaz no trilho. Colocamos as malas e bagagens de mão na esteira do raio “X” e ao saírem do outro lado, com o rapaz simpático a recebê-las, o policial da alfandega já vai pedindo para colocar a minha sobre a bancada que a queria vistoriar. O rapaz já não muito sorridente vira-se para mim e diz: “Não te preocupes, só vai ver e mais nada!” Sim, sem problema nenhum. Deixei-o ver. Até porque não estava ali em posição de deixar ou não ver, mas não havia nada, a principio, que pudesse comprometer a minha idoneidade. “Abra o cadeado...! Puts, onde coloquei a chave dessa merda? Mochila no chão, abro-a e depois de uma procura por dentro das bolsinhas acabo por a encontrar em uma delas. Abro o cadeado, os zíperes, e ficam expostas as minhas roupas. Camisas, meias e cuecas a serem vistoriadas e no meio aparece logo um do cd’s de música brasileira que trouxe para aqui presentear amigos. “Traz aqui coisas?” Não. Uns quatro ou cinco Cd’s, digo eu em tom de voz aparentemente baixa. “Cd’s? Quantos?” Uns 5 ou 6, talvez, respondo eu em um tom um pouquinho menos baixo. “Pergunto se uns 50, 100?”, questiona ele de uma certa forma ríspida, tipo moçambicano mesmo. Não, não, uns seis ou sete, respondi eu mais à vontade. Mandou-me fechar a mala e liberou-me já olhando para o meu colega a perguntar-lhe: “ E na sua, traz alguma coisa?” Não, só roupa, no estilo seco mas sorridente do Marcos. “Tá bem, não precisa abrir!.” Porra! Será que este gajo percebeu que eu era um ex-colonialista e quis me mostrar que as coisas não são como eu possa imaginar? E o rapaz sorridente, que dizia que me prestava um serviço exatamente porque assim não me abririam as malas?
Saímos para o saguão, onde vejo logo a Teresinha a abrir os braços para consumar em um abraço mútuo. Um prima muito querida que não a via há mais de 37 anos. Ela, que vem já há uns meses articulando alguns dos contatos que vamos aqui ter com o objetivo de buscarmos dados para avaliação de possíveis investimentos por parte da empresa para quem trabalho. Em seguida se aproxima a sua filha Maria. Tão bonita e de simples trato como o nome Maria. Uma miúda super simpática.
Vamos até ao carro, depois de já sermos questionados pelo rapaz simpático se o carro estaria longe, mas depois que lhe foi identificado onde estava se prontificou em deixar as malas junto ao mesmo. Ao colocarmos as malas no carro veio finalmente a cobrança do frete. ”O senhor me dá 50 reais porque os homens lá dentro pediram-me um almoço.“ Cinquenta reais? Perguntei-lhe eu. Foi o start para a Teresinha entrar em ação:
- Como é? Pediram-lhe almoço? Mas quem lhe pediu almoço?
- O homem lá dentro, para não lhes abrir a mala. Respondeu o simpático.
- Como não abrir a mala. Mas eles abriram a minha mala! Intercedi eu.
- Não, nada de almoço. Nós somos daqui e o meu primo esta a chegar para nos visitar não vai pagar nada.
- Espera, mãe! Não adianta ficares nervosa. Deixa que eu vejo isso. Diz a Maria e me transmite que vai ter calma para resolver isso de forma que fiquemos todos felizes e contentes. E vira-se então para se posicionar junto ao rapaz simpático.
- Ouça lá! Nós somos de cá e não entramos nessas. Não tem almoço nenhum. Tome lá este ajuda (talvez uns 5 meticais). Se quer, quer! Se não quer, não vai ter mais!
- Mas com isto não compro nada! Tenho que levar o almoço para o homem. Responde o rapaz.
- Qual almoço! Disse de forma definitiva a Maria, a doce sobrinha prima que aqui tenho, mas que mostrou ser tão objetiva quanto a mãe Teresinha e a sua avó Izabel.
A Teresa acaba por meter mais 20 meticais, salvo erro, na mão do rapaz e diz-lhe. Tome lá isso. Não devia, mas...
Entramos no carro e a Maria pôs-se a manobrar enquanto o rapaz simpático ficou com uma cara nada de bons amigos a resmungar consigo próprio.


domingo, 5 de janeiro de 2014

Visita a Moçambique - 1a. Parte

Depois de aqui editar o ótimo texto do António Maria, Impressões de um turista e a fotografia em Moçambique, dentro do tema Moçambique, tomo a iniciativa de reeditar umas anotações que fiz na rede social Facebook sobre as minhas primeiras horas no país quando lá estive, em visita, em Maio de 2012.
Estas anotações foram feitas em quatro partes, e esta reedição talvez me venha a motivar a escrever sobre as impressões gerais que tive sobre o país que reencontrei durante os aproximadamente 20 dias que por lá estive.

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To Moçambique...

6 de Maio de 2012 às 18:37

Voo em Curitiba atrasado! O voo deveria sair às 13:15 hrs e esta previsto para as 14:00 hrs. Dez minutos depois já havia aumentado a previsão de atraso. Ainda não confirmado e já estava com uma previsão de duas horas de atraso. Deveríamos fazer a conexão em São Paulo às 16:00 horas. Parece que vai ser atribulado esse retorno a Moçambique depois de 37 anos ter saído do país de forma não muito planejada se transformando algo similar a uma ruptura entre a adolescência e a... e a ainda adolescência.
Consegue-se convencer a companhia aérea a nos acomodar em um voo da concorrente que sairia de Curitiba às 14:00 hrs. Peço á companhia original para me devolver a mala que já havia sido despachada, no que fui prontamente atendido e fizemos, eu e um colega, o novo check in. Agora o voo saiu pontualmente e chegamos a São Paulo uns minutos depois das 15:00 horas. Com a troca de voo agora tivemos que retirar a bagagem para fazer um novo check in, agora para o trecho internacional São Paulo a Maputo com conexão me Joanesburgo. Estávamos com tempo suficiente, mas a demora das bagagens criou uma certa angústia. Antes de embarcarmos ainda queríamos comer alguma coisa pois já passavam das 15:00 hrs e ainda não havíamos almoçado. No primeiro trecho um saquinho de amendoins e um refrigerante mostra o quanto o serviço de bordo vem caindo nos voos domésticos do Brasil. O grande aeroporto de Guarulhos com um visual de desgastado, precisando de uma boa revitalizada. Veem-se algumas placas com dizeres como “Desculpe o transtorno, estamos em obras para melhor atender os usuários”. Vai precisar de muita obra, de melhorias de infraestrutura, como de visual mais agradável de um aeroporto de uma das cidades que estará recebendo os turistas da Copa do Mundo que se aproxima em velocidade supersônica para os cronogramas das obras de preparação para este evento.
Saímos da sala de desembarque com as nossas malas com agilidade para o balcão da empresa aérea sul africana. Tínhamos a expectativa que enfrentaríamos ali uma grande fila já que sabíamos que o voo estava lotado e agora já eram quase 16:00 hrs. Ao lá chegarmos fomos atendidos de imediato e amavelmente pela funcionária brasileira da empresa. Não havia ninguém na fila! Em quanto procuro na mochila a minha carteira para pegar o meu bilhete de identidade de estrangeiro no Brasil, percebo a funcionária a desfolhar o meu passaporte português e de repente me pergunta: “O senhor pegou o visto de entrada em Moçambique?”. Pensei de imediato: ela deve estar a brincar ou afinal chegou foi a hora de acordar do sonho. Bom é que foi rápida a reação dela ao, antes mesmo de eu reagir ao seu questionamento, e me informar que já havia identificado o visto. Para eu me recompor é que não foi tão rápido, mas depois de ter o cartão de embarque pensei cá comigo. Esta gaja estava mesmo era a brincar comigo. Deve saber como estou me sentindo por dentro e quis foi tirar um sarro de mim!
Fomos fazer um lanche, um sanduíche beirute que estava muito bom, em especial para quem estava com fome. Em seguida fomos para o embarque e na alfandega a funcionária da Policia Federal, que verifica a documentação, foi mais camarada e não fez nenhuma piadinha. Carimbou o formulário de saída obrigatório para estrangeiros no Brasil mesmo que lá residentes e me devolveu o passaporte e o Modelo 19 (B.I. de estrangeiro) e me desejou boa viagem.
Parei, pensei: isto esta indo longe demais. Já não seria tempo de acordar? Às 17:30, já dentro do avião, mando um SMS para a minha mulher onde dizia: “Estou sentado dentro do avião. Afinal parece que é mesmo verdade que estou indo a Moçambique. Vos amo! Bjs.” Como estivesse me dando um beliscão, logo em seguida ouço um “blim, blim”, um aviso sonoro de entrada de um SMS no meu celular. Era a resposta da Cristina: “É mesmo, pai! Agora vais, que bom. Fico feliz que estejas realizando esse sonho. Bjs te amo muito.”
Oito horas de voo até Joanesburgo. Um ótimo voo. As estradas lá em cima em ótimo estado. Sem uma vibração, sem curvas, um ótimo atendimento da equipe de bordo. Como jantar um arroz soltinho com bife bem bom, considerando ao que se propõe uma refeição oferecida a 11.000 pés de altitude.
Problema só o não conseguir pegar no sono. Desliga a telinha na frente, liga telinha. Filme, jogo de Tetris, programas de TV, desliga, liga, filme, Tetris... e à uma hora da manhã acendem as luzes e começam a servir o café da manhã...bem, quando abri os olhos já estavam servindo o café da manhã. Afinal parece que havia cochilado. Mas a cabeça não parava de pensar, de trabalhar.
Abriram uma das janelas e o sol brilhava do lado de fora. Ali já eram mais de 6:00 hrs da manhã, levando em consideração a diferença de 5 horas no fuso horário. Um pouco depois começamos a sobrevoar Joanesburgo. Uma bela cidade vista de cima. Pousamos, desembarcamos, e conclui de novo. O nosso Guarulhos, Aeroporto Internacional de São Paulo, precisa mesmo, e urgente, de uma nova roupagem, uma melhoria de infraestrutura, como banheiros mais apresentáveis e limpos como os demais espaços do aeroporto. O aeroporto de Joanesburgo todo ele cheira bem. Belas lojas, um artesanato local lindíssimo, pessoas felizes, com sorrisos na cara.
Mas já estava bom de Joanesburgo. Queria mesmo era entrar logo no avião para chegar a onde vim. Maputo! Maputo já!
Agora com direito a um lugar na janela, começo a ver que nos aproximamos de Lourenço Marques... de Maputo. Saco da máquina
Primeiras imagens de Maputo
fotográfica e sem preocupações na qualidade do resultado das clicadas e sim com o registro daquele momento, disparo, disparo ao encontro da alegria de rever a terra onde nasci, da terra de onde me despedi de parte da minha adolescência, da terra que me ajudou em transformar em gente. É com certeza real sentir que parte das minhas moléculas pertencem a Moçambique e vice-versa. Isso não tem nada haver com sentimentos saudosistas, tipo como isto é bom ou como isto era bom. Ou como aqui é que devia estar vivendo. Nada disso, sem dores, só com muita emoção. Uma emoção legal.

Em terras moçambicanas...

Amanhã, se tiver tempo, conto mais...

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Impressões de um Turista e a fotografia em Moçambique.


(Elegia à fotografia, ou uma versão PALOP de “Um americano em Paris”)





Texto de António Maria G.Lemos.


PARTE 1

Desde os tempos em que eu estupidamente orgulhoso cantarolava “fui ao mato, cortei mato e ainda trago fumo no papo”, até hoje, de barba por fazer, chego à conclusão que o fomento da psicose de perseguição foram e são características instrumentalizadas à perfeição em várias etapas da minha vida. Vivenciadas em diferentes modelos de governo e em diferentes continentes.

No entanto reconheço que na época colonial, quando o desrespeito dos direitos humanos da população moçambicana era maior que na governação atual, até mesmo quando a Frelimo já se expandia em todo o território colonial, ainda se podia tirar fotos de lugares públicos.

Muitos e muitos anos depois de andar cantarolando de pulmões enfumarados, prontos para explodir numa tosse convulsiva, passei a visitar Moçambique e já cá vim quatro vezes.

Hoje ao se desembarcar num aeroporto moçambicano, visitar uma Estação de Comboios, uma Câmara Municipal, etc., se não for rápido no clicar terá logo um policial pela frente colocando rudemente a mão na frente da câmara; "é proibido tirar foto!" Me disseram em tom irônico que se ele for "tolerante" você salva as fotos pagando um "refresco, porque em Moçambique está sempre muito calor, até no inverno, pá!"

Confesso que fiquei surpreso quando na ultima vez em 2011, ainda fui recebido com tão rudes modos. Uma espécie de vício passado agora institucionalizado. Um “welcome made in Mozambique”.

Como havia tantos chineses dentro e fora do aeroporto, fiquei na duvida se tal rudeza se devia ao facto do piloto por engano, ter aterrado na Praça da Paz Celestial em Pequim, e não no aeroporto de Maputo. Pois na China sim, também não se pode fotografar à vontade. E dependendo do lugar que se queira visitar, querendo ou não, ainda tem que se andar de tradutor oficial do estado a tiracolo. (Turismo, all included made China).

Já fotografei a ONU em Genebra (por dentro) e Buckingham Palace em Londres. A entrada da casa do primeiro ministro inglês (com um policial desarmado na porta, sorrindo para a foto). Vários aeroportos e estações de comboio do mundo. As salas de debates dos parlamentos, escocês, finlandês e suíço - gosto de fotografar antros democráticos - e ninguém me pôs o dedo no nariz, como se fosse um “mwana” apanhado a urinar em via pública.

Será que em Moçambique essa fobia à fotografia ainda é ranço da censura da ditadura pós-independência? Ou será que confundem o clicar da máquina com o clicar do engatilhar de uma arma? Mas a minha máquina já nem clique faz!

Quando me perguntam o que estou fazendo em Moçambique digo honestamente o que sou: TURISTA.

E ás vezes o olhar que recebi de resposta, nos interiores que por onde andei, denunciavam um pensamento; “essa profissão não conheço.”

No entanto por respeito ao próximo, acabo por esclarecer que apesar de nascido e criado em Moçambique, paguei 90,00 dólares por um visto de turista e uma passagem aérea das mais caras que existe da Europa para países africanos, para poder visitar amigos, familiares e fotografar as minhas recordações de viagem.

Sou daqueles turistas, que consome e viaja pelo país todo.

Pega autocarro com ar-condicionado e faz Maputo-Beira. Segue depois para Chimoio, Manica... Mas também anda na caçamba de uma carrinha se outro jeito não houver, de chegar ao destino tão ansiado.

Que já esteve também em lugares como Chókwè, Inhambane, Bazaruto, Ponta do Ouro, Namialo, Nampula, Ilha de Moçambique, Quelimane terra das lindas morenas, Pemba, Lichinga, etc. E ao chegar a Metangula e ver aquele paraíso natural, não consegue evitar que lágrimas de alegria e admiração se juntem ás águas doces do Niassa.

É assim que gosto de viajar em Moçambique e outros países. Recolhendo e colecionando impressões aqui e ali. Uma hospedagem em casa de amigos, de desconhecidos que viram amigos, hotéis mais simples ou mais caros. Mas sempre trocando experiências vividas com o mais diverso tipo de pessoas. Independentemente das suas idades, origem social, religiosa ou racial.

Perceber na rua como o moçambicano de hoje pensa e vive. Suas aflições com o futuro dos filhos, família, trabalho. Enfim dividir e trocar as alegrias e tristezas do dia-a-dia com os cidadãos locais, por onde passo. Perceber que os jovens são iguais em todo mundo. Gazelas saltitantes que não querem mais comer no pasto das gazelas de ontem. Os anafados hipopótamos de hoje.

O velho conflito de gerações que se encontra nos quatro cantos do Globo. Todos nós já fomos um dia gazelas. A rebeldia típica da idade que não se pode deixar de levar a sério nem desrespeitar, me foi expressada pelas palavras de um estudante universitário no autocarro para a Beira; “Opá que me interessa o tempo colonial ou a política? Esses velhos são todos iguais. Querem guerra ou ganhar dinheiro. Ou as duas coisas, para ganhar em dobro. Eu nasci independente e sou roubado desde que abri os olhos. Precisamos de sangue novo e honesto, meu!”

Não pude deixar de pensar nos recentes movimentos lançados por jovens mundo afora, e hoje alguns deles, por vezes já instrumentalizados por outras forças políticas e pseudo-religiosoas. Os desempregados na Espanha, os da “Primavera” no Egito, Líbia e Síria. No parqueTaksim Gezi na Turquia, e dos que protestam do norte ao sul do Brasil. Consequência do cansaço dos jovens para com as falsas promessas e desrespeito aos seus direitos humanos e sociais, feitas pelos os hipopótamos de lá.

Sou turista que adorou ver o trabalho que está sendo feito na Gorongosa nos três dias que lá passei. Gostaria que os governos nacional e regional lhes dessem mais apoio, para que um dia possamos concorrer com os parques naturais que arrecadam tantas divisas nos países vizinhos. Deixo aqui registrado o meu respeito e admiração pelo trabalho feito por todos os funcionários do Projeto Gorongosa – da limpeza, à administração, restaurante, guardas e guias florestais - que me revelaram a sua simpatia e profissionalismo. E podia fotografar tudo!

Vocês são os Heróis em Tempos de Paz. Porque reconstroem uma parte do nosso país - destroçado outrora por irmãos insensatos e brigados. Para evitar que um dia os nossos netos, tal como as crianças europeias hoje, tenham que ir ao Zoológico para ver um animal da terra. Uma relíquia viva, entre grades.

PARTE 2

Mas voltando ao clicar. Maldito clique, porque és tu ainda um problema nesta terra?!

Em Chimoio vivi uma exceção a essa regra. Havia uma festa local de comemoração do combate à SIDA. Assisti como turista a uma corrida de bicicletas. Cada uma delas de um modelo diferente e com diferentes anos no lombo. Sob um sol escaldante pedalaram não por milhares de euros de prémio, e nem dopados estavam. Talvez um ou outro que já havia festejado antes da partida, estivesse carburado com nipa. Mas todos eles, suaram pelo prémio final, uma bicicleta novinha. A isso chamo de pedalada de louvor e espírito esportivo.

Não era exatamente o Tour de France, ou la Vuelta de España, mas o entusiasmo do público, e meu, em nada deixavam por desejar. O ambiente era super alegre e descontraído. Estavam presentes políticos e oficiais militares. Para surpresa minha, os policias mais curiosos com o único “muzungo” ali presente, permitiram que eu fotografasse à vontade. O turista agradece, Kanimambo xamuares!

No entanto, umas horas depois estava eu em Manica fotografando um mercado de rua, perto de um edifício de serviço público que nem havia notado. Foi quando percebi um arrastar de pés modorrentos se aproximando, e pelo canto do olho vi que pertenciam a uma policial que com um sorriso simpático deu início ao seguinte diálogo;

Boa tarde, tudo bem?
Sim, obrigado. E a senhora?
O que estás a fazer?
Fotografando o mercado.
Tens licença de fotógrafo?
Não, mas tenho licença de turista e custou 90,00 dólares.
Aaah mas essa não serve aqui pá. Tens que ir ali pagar a licença de fotógrafo.
Ali aonde?
Ali naquela porta onde está quel’home. Estás a ver lá ? Pois é , é lá o Posto.

Percebo um homem encostado na porta numa posição “cool” e respondo;

Sim, estou vendo. Mas não vou.
Se não fores tens problemas pá. Lá pagas e pronto, tá resolvido!
Mas tenho que pagar por quê?
Para proteger os fotógrafos que pagaram a licença aqui na terra.
Mas eu não estou tirando os clientes deles. Só estou fotografando recordações de viagem. Os moçambicanos quando vão lá fora, fazem a mesma coisa.
“Tio” mesmo assim, tem que pagar.”
Senhora, com todo o respeito que você merece. Vou parar de fotografar o mercado, mas não vou ao Posto. Vou sair daqui e encontrar um amigo, o senhor X, no Restaurante X. Se quiser que eu pague a licença vai ter que ir lá cobrar porque não tenho aqui a carteira. Deixei no carro lá. - Mentirinha que não dói, e ela fingiu que engoliu.
Aaaah, estou a entender. Então eras amigo do senhor X, é?
Isso, sou amigo e convidado dele.
Por quê não falaste logo pá? Podes ir. Havemos de aparecer...


PARTE 3

Segui meio chateado ao encontro do amigo, mas no restaurante ao perguntar por ele me responderam que ele “ainda”. Então sentei-me no terraço do restaurante e para acompanhar a espera, pedi uma cerveja e uns aperitivos. Logo depois estacionou bem em frente um carro esportivo. Um ET ali perdido.

Os vidros elétricos fumê baixam e deixam aparecer uma cara sorridente com óculos escuros, que mete logo conversa antes mesmo de sair do carro:

Ça va bien?
Oui merci.
Is better for you if I speak english?
O melhor mesmo é falar em português. Eu sou da terra.

Ele acaba se sentando na mesma mesa e damos inicio a uma conversa em inglês, apesar de perceber que não era o seu idioma materno. Penso que em francês ele estaria mais à vontade.

Logo ficou claro que ele queria vender-me pedras preciosas. Respondi que não era interessado em pedras e se ele me vendesse uma pedra-sabão pintada, como se fosse uma turmalina, eu não veria a diferença. Riu-se com a minha franqueza, e depois de perceber que não havia negócio a fazer, relaxou.
Como você é da terra, se você é branco?
Do mesmo jeito que o Obama não é o índio Touro Sentado, e é presidente dos Estados Unidos. Ou você acha que ele em África ou numa reserva de índios, se sentiria em casa como você e eu, aqui?
Yep man... mas os brothers lá são diferentes.
Em que planeta você esteve vivendo no últimos anos? Wake up man! O mundo nunca parou de mudar. Só a cabeça de alguns é que teima em não ir em frente. Feito mula velha com palas nos olhos.
Yesss man, It’s true, a população mundial está mudando. Eu vi no mundial e nas olimpíadas que as seleções nacionais da Europa estão cheias de afro e asiático-europeus. E acho que nunca pisaram na terra dos pais ou avós deles. 
Não é só no desporto que eu vejo pessoas na Europa com origens não europeias. E eles se identificam mais com o modo de vida do país onde nasceram e cresceram, do que com a terra dos seus antepassados. That’s normal man! 

Depois de falarmos sobre “o deus e o mundo” acabou me contando superficialmente como funciona o esquema do tráfico de pedras na fronteira do Zimbabwe. “Os moçambicanos do campo é que arriscam mais, porque atravessam a fronteira. Mas como ganham mais do que plantando milho e mandioca, eles arriscam. Quando são apanhados pela polícia do Zimbabwe apanham até sangrar. Eu mesmo já estive preso lá. Tive que pagar muito para não apanhar deles e regressar para Moçambique depois de uns meses. Agora não faço mais esse job. Nós os africanos do norte temos as connections que os da terra não têm. Depois vendemos para alguns árabes e asiáticos com money. Eles têm as connections lá fora”.

Mais tarde um carro passou e deu dois toques de buzina. O meu parceiro de conversa se despede com o mesmo sorriso da chegada. “Enjoy your trip brother! Don’t forget, if you want any business, just ask me, ok? ”

Novamente sozinho, fiquei pensando com os meus botões; E os “havemos de aparecer” estão preocupados para que eu pague a licença de fotógrafo?! ...Acabaram por nunca aparecer.

Tudo bem que o policial de rua que nem sempre teve a sorte de frequentar uma escola de qualidade ou grau mais elevado, não tem culpa. Mas isso não pode ser a explicação ou desculpa, para usarmos como uma esteira e nela nos deitarmos eternamente, esperando a mudança. Como se a posição e conduta oficial fosse um fenômeno natural, e não humano, que não se possa mudar a médio e curto prazo. E o médio prazo, a democracia moçambicana, já tem os primeiros pelos na cara crescendo.

Ajustar as leis, informar e profissionalizar a segurança pública, também é obrigação de um Estado Democrático.

Aliás, fotógrafos profissionais da imprensa ou arte, e donos de estúdio de fotografia, me confirmaram como são desrespeitados. Me descrevendo situações que mostram o quão problemático ainda é, se fotografar em Moçambique em pleno 2013!!!

A política, a segurança pública e as diversas secretarias de turismo regionais, com um maior nível de instrução que a média nacional, não podem continuar se comportando como cegos, surdos e mudos. Optando por uma espécie de analfabetismo voluntário.

Por quê fomentar a fobia da fotografia pública no mundo tecnológico de hoje? Afinal quem prepara atentados, há anos que usa de outros recursos de informação.
Ou será que em Moçambique há ainda quem acredite que a proibição da fotografia pública teria evitado as chacinas perpetradas por radicais no mundo afora? Como no shopping center na Nigéria, Trade Center in NYC. Ou que é com fotografia pública que as atuais guerra civis no Iraque e Síria , ou os ataques israelitas na Palestina, são planejadas? Quem acredita nisso, deve também acreditar que a fotografia rouba as almas.

Nunca terão eles ouvido ou lido sobre o programa “google earth”?

Qualquer cidadão que esteja fora da China, Irão, e outras ditaduras paradas no tempo, tem acesso na internet a esse programa gratuitamente. Com ele se pode ver via satélite até o penico esquecido em qualquer jardim caseiro de Moçambique ou qualquer parte do mundo.
E que eu saiba ultimamente, ninguém bombardeou o penico de ninguém baseado numa foto de máquina fotográfica!

Está na hora de parar com a *Putinice!!!
Há que ser honesto e contemporâneo.

A corrupção também se combate com bom senso, ao se abdicar de leis inúteis e abusivas, que só favorecem a fonte de renda dos corruptos.

Sinceros cumprimentos de um entusiasta por tudo de bom que Moçambique representa, e que mesmo sendo da terra quer voltar para fotografar só com o visto de TURISTA. Sem ter que pagar refresco para ninguém, e vir a se sentir obrigado a infringir uma lei medieval.

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*Putinice – (Não procurar no dicionário) Palavra da minha linguagem pessoal que uso como sinônimo de hipocrisia. Oriundo da palavra Putin. De acordo com a definição politicamente correta, conhecido como “O Agente Pseudo-Democrata”. Ou de acordo com a definição de calão popular, ” O Caçador de Meninas Roqueiras que não dão bola p’ra ele”.

*Mwana – Criança, em uma das línguas nacionais moçambicanas.