Ontem um amigo, português com
parte da sua história em Moçambique, sugeriu-me que se eu em vez de ter vindo
de Moçambique para o Brasil tivesse como ele ido para Portugal, como ele também
seria eu contra o Acordo Ortográfico.
Isso me fez parar para
refletir e vou aproveitar estar aqui a escrever para tentar organizar os vários
flashes que estalam-me dentro da cabeça.
Os ares influenciam o
organismo e as mentes, é um facto...
Mas será que o meu amigo não
vê em Portugal quem apoie o Acordo Ortográfico? Que os que não concordam estes últimos tempos
vêm fazendo bem mais barulho, é um facto. Mas será isso realmente um sinal de
maioria absoluta? Sei que não. Sei que há sim muito português apoiando o
Acordo. Talvez sejam esses o que o meu amigo classifica algo como sendo todos
uns analfabrutos, cheios de modismos...
Eu ter vindo de Moçambique
direto para o Brasil, sem nunca ter passado por Portugal, amando portugueses e
moçambicanos, detestando reacionários e continuísmos colonialistas ou critérios
de gestão ditatoriais, independente de nacionalidades e origens, e depois passar
também amar os brasileiros, terá me feito uma pessoa mais universalista do que
nacionalista? Até acho que sim, mas tenho amigos e conhecidos que tiveram trajetória
igual ou muito similar à minha, estando ainda hoje no Brasil e são, não todos,
contra o Acordo. Ou seja, mesmo com uma visão menos nacionalistas do que a
média têm estes amigos também um posicionamento contra o Acordo.
Vejo, aqui no Brasil,
brasileiros dos dois lados, os a favor e os contras... e os favor não têm nada
de parecido com o meu roteiro originado dentro de fronteiras moçambicanas.
E, como em Portugal tenho
visto, também se tem por aqui subgrupos. Os do contra com argumentos razoáveis
e outros com argumentos bisonhos. Nos a favor, também temos estes sub-grupos,
com classificações similares aos do contra. Com quem alinho são aqueles que são
a favor exatamente por admirarem a
língua de Camões e não terem nenhum trauma de ser Portugal que aqui tenha
plantado uma das línguas mais completas dos povos que habitam este planeta. Mas
também têm convicção, que independente de número de habitantes brasileiros falando
português, têm sim hoje uma certa “propriedade” sobre o português que anda pelo
mundo, inclusive no falado em Portugal.
Argumentam os do contra,
daqui e de lá, com algumas questões que não lembram o diabo - com letra
minúscula para ele não se achar o gás da Coca-Cola – que vou tentar também
refletir em algumas delas:
“C” mudo – começam já por
dizer que nem sempre o “c” é mudo. Mas não perceberam que nas regras do Acordo
já trata disso a favor da preocupação que têm com o “C” que não é mudo. Ou
seja, para os casos que o “C” ou o “P” não é mudo, deve-se usar estas
consoantes. Mas também se mostram preocupados como identificar certas palavras
que têm significados diferentes. Perguntam como vamos tratar estes casos. Nem
levam em questão já termos muitos desses casos na nossa Língua Portuguesa onde
usamos a mesma ortografia para vocábulos com significados diferentes. E depois
fico cá a pensar com os meus botões. Se o “C” é mudo, ao usar esta palavra numa
conversa verbal devemos então explicar, no meio da conversa, ao nosso ouvinte
que a palavra tem ou não o “C” já que não pronunciamos a consoante, pois é
muda? O nosso ouvinte poderá não nos entender?
O dinheiro, quanto se vai
ganhar dinheiro com este acordo – Falam nisto apontando o dedo contra as
editores e/ou gráficas, e às possíveis comissões gordas distribuídas entre
corruptos e corruptores, que na versão dos que têm este argumento terão os abocanhadores
de cifrões que reeditar uma montanha de
livros. Quem diz isto não conhece dois conceitos básicos para uma boa
administração de um negócio. O primeiro é o conceito básico de administração de
estoques. Poucos estoques de matéria prima e insumos e menos ainda de estoques
de produtos acabados. Em se tratando de livros, especialmente os de educação,
passa este critério de gestão a ter um valor ainda maior em países como os
nossos que todos os anos os alunos compram novos livros, pois estamos sempre a
inventar uma forma nova de aprender a tabuada. Levando em conta isto, a segunda
questão é tecnológica. Não se fazem mais “tipos” de impressão como antigamente.
Hoje é tudo nestes computadores , via ferramentas apropriadas e que com
programas especialistas que corrigem a ortografia de uma coleção completa de uma
enciclopédia em alguns minutos antes de começarem uma nova impressão. E podem
ter a certeza que não vão sair a recolher o que já está nas prateleiras das
livrarias pois isso representa um custo altíssimo.
Os povos que usam as línguas
inglesa e espanhola nunca precisaram de tratados – meia verdade, já que os
povos que usam o espanhol têm sim um acordo ortográfico sendo que no próximo
passado ano de 2010, vinte e duas
academias de espanhol se reuniram no México – isso, não foi em Espanha – para debaterem
a necessidade de uma revisão do acordo em vigor e concluíram que o deveriam
manter com apenas algumas sugestões de acentuação e outras pequenas questões.
Ou seja, aparentemente o último acordo, que não me recorda agora em que ano
foi, mas sei que foi no século passado, teve qualidade suficiente para se
manter até então com apenas pequenas reformas.
Levanto eu uma questão: A língua portuguesa, nas sua
ortografia, vem evoluindo mais em cima de critérios fonéticos ou etimológicos? –
Faz séculos que vem sendo mais fonética do que etimológica a evolução da língua
portuguesa. O exemplo sempre válido e conhecido pela grande maioria é a “pharmácia”
dos tempos de Camões e a “farmácia” dos tempos atuais. Mas os defensores do
desacordo ortográfico usam muitas vezes questões etimológicas sem questionarem
a nossa farmácia dos dias de hoje.
Um dos meus conhecidos luso
moçambicano que mora no Brasil, gosta muito de usar a seguinte frase para questionar
o Acordo Ortográfico -: “Um bicho rasteirinho, se arrastando pelo chão, por que
deixaria rastRo?”
Alerta o Joaquim sobre a
diferença entre o “rasto” deixado em Portugal e o “rastRo” deixado no Brasil. É um
belo exemplo, deixando as xenofobias de lado, de se questionar o Acordo. Mas na
minha linha, como defensor de acordos ortográficos, é o questionar o último
Acordo Ortográfico na sua qualidade de algumas regras adotadas e questões não
tratadas. Sobre isto, de forma resumida, vejo que o Acordo precisa sim ser
melhorado e como sugestão coloco que nas diversas formas de se pronunciar uma
palavra nos vários países lusófonos que se tenha o critério etimológico como
regra para desempate. Ou seja, acredito que o fonético seja ainda um grande
responsável pela evolução da língua escrita, e que o etimológico seja o equilíbrio
entre os vários povos usuários de Língua de Camões.
No fim concluo que continuo
um defensor do Acordo Ortográfico, ainda que na expectativa que o mesmo possa
ser melhorado. E melhorar não é sinônimo de desacordo.