Áreas com relevo adequado à agricultura mecanizada. |
Em Maio deste ano estive em Moçambique, acompanhado por mais
um diretor da empresa para quem trabalho, para avaliarmos o potencial para
investirmos na agricultura, em especial no milho e soja. As terras e condições climáticas, com alguns cuidados, são
de um grande potencial para se atingir bons níveis de qualidade e
produtividade. A vontade do Estado, dos governos central e provinciais nos seus
vários níveis, também é aparente para que encoraje os investidores.
O problema fica na logística, tanto no que se refere a
transporte, mas sabendo-se que não é a única variável para a capacidade de
escoamento da produção ser eficiente. Há a necessidade de armazéns graneleiros,
ou silos, nas próprias regiões de plantio como nas estruturas portuárias. A
capacidade de produção de Moçambique, por questões populacionais e mesmo
econômicas desta população, vai além da demanda ou capacidade de consumo do
país e a exportação não se dá apenas colocando a colheita sobre camiões e os
enviar até à China.
Nessa lógica organizacional da logística de escoamento da
produção, como do acesso aos fertilizantes e defensivos, ainda está muito
imaturo o desenho que o Estado pretende implementar. Aqui devo fazer um parêntese,
alertando que tão importante quanto o escoamento da produção é o acesso aos
insumos, pois a tecnologia avançada que o mundo exige para se ser competitivo
não está somente nos equipamentos de ponta, mas também bastante dependente de
um adequado equilíbrio de nutrientes no solo, até para garantir que a terra
continue sendo um dos poucos recursos naturais renováveis. E estas necessidades são possíveis se houverem
boas condições de acesso a fertilizantes e defensivos químicos. É claro que os
custos dos mesmos devem ser compatíveis, mas trato aqui especialmente o tema de
logística, que também depende de transporte e de pontos de armazenagem e/ou
pontos de distribuição.
Voltando aos obstáculos em relação ao escoamento da produção
agrícola em Moçambique, e que não vi ser devidamente tratado nos projetos de
incentivo e busca de investidores.
Manutenção das estradas. |
Percorri um pouco mais de 3.000 km de estradas, entre idas e vindas, partindo da
Beira e por isso atravessando parte da província de Sofala, como das províncias
de Quelimane, Nampula e Cabo Delgado. Além das vias principais como a EN1,
grande parte das estradas rurais, de terra batida, têm condições bastante
razoáveis para um bom escoamento sobre rodas. Temos no Brasil, em algumas
regiões agrícolas, vias sem as mesmas condições e não se deixa por isso de ver
bons volumes de produção nas mesmas. Ou seja, pelo o pouco que vi as estradas
não são um obstáculo para a movimentação de produtos e insumos. Além desta via,
em algumas das regiões por onde passei, o potencial de transporte por ferrovia
é muito bom, talvez proporcionalmente aos tamanhos de cada país, até melhor do que
temos no Brasil. É claro que com o aumento de fluxo, tanto as rodovias como as
ferrovias demandarão de ainda mais
manutenção.
A questão fica realmente na implementação de uma política de
logística por parte do governo. Não quero deixar aqui a visão que deva ser o
governo a garantir essas condições, mas se o estado não abraçar a ideia de que
no seu programa de incentivo à agricultura através de investidores como de
incremento na capacidade técnica da agricultura familiar moçambicana há que se
dar um bom espaço para logística dos insumos e produtos, penso que será um projeto
que estará fadado ao insucesso.
O governo moçambicano precisa criar equipes de articulação
entre os vários perfis de investidores que possam vir a se instalar no país.
Posso mesmo afirmar que nos contatos que tive com pessoas do
Ministério da Agricultura e de outros órgãos públicos provinciais, não percebi
qualquer planejamento ou trabalho nesse sentido. Em todos os níveis destas
autoridades o que se percebe é que têm a expectativa que o investidor leve, e implemente,
essa rede de forma completa. Chegamos a ouvir que acreditam que o investidor na cultura de soja possa inclusive instalar indústrias como de esmagamento de soja, para produção
de óleo e farelo. Isso é pensar pequeno e limitar a motivação de grandes investidores.
Além de ser muito difícil encontrar um investidor que
participe em todas as etapas da economia, como plantar, colher, transportar
insumos e produção, armazenar, manufaturar, distribuir os seus produtos, ter as
suas próprias prateleiras para oferecer ao consumidor final, não é também este um
perfil adequado para uma economia que tenha pretensões de melhor distribuição
de renda e que os investidores puxem para cima não só a qualidade técnica dos
pequenos agricultores como das demais áreas da economia do país.
A empresa para quem trabalho no Brasil, até atua em várias
das etapas que, talvez exageradamente, descrevi acima. Nós plantamos soja,
milho, e cana de açúcar. Até temos a capacidade de armazenar toda a nossa
produção de grãos. Mas o nosso negócio a seguir, de armazenar a nossa
capacidade, não sobrevive se também não prestarmos serviços de armazenagem para
outros produtores, inclusive para o estado brasileiro nos seus estoques
reguladores. Nós até temos uma estrutura em um porto brasileiro para escoar os
nossos volumes direcionados para a exportação, de plantio próprio e comprado
junto a produtores, mas também não este negócio sobreviveria se ficássemos restritos
aos volumes por nós gerados. Para pagar a conta e termos alguma rentabilidade
nesse negócio, precisamos também ter outros clientes. Na cana de açúcar até que
a produção total é direcionada para uma usina de álcool do grupo e esta é
somente abastecida pela nossa produção de cana. Entre soja e milho,
movimentamos anualmente mais de 2 milhões de toneladas e não temos um único
caminhão ou trem (comboio) para o fazer. Isso vale também para o escoamento de álcool anidro e hidratado. Simplesmente não é o nosso negócio.
Até temos duas unidades de processamento de soja para produção de óleo bruto e
farelo, mas não refinamos este óleo. Não é o nosso negócio. Tem gente sabendo
trabalhar com isso melhor. Vendemos o nosso óleo degomado para eles, no mercado
interno ou de exportação. É mais inteligente e acaba sendo mais saudável para a
economia. Contratamos transportadores para movimentarem o nosso produto, pois
são especialistas nisso e por isso mais competentes que nós.
Volto a dizer: no projeto de busca de investidores no
agronegócio moçambicano, está faltando uma perna no seu planejamento que é esta
questão da logística e de um trabalho direcionado para os vários perfis de
investidores necessários para que a agricultura do país decole. Condições se
têm, precisa-se é organizar melhor o que se quer e como fazer.
Literalmente pequenos produtores na agricultura familiar. |
E como moçambicano, não posso deixar de pedir. Moçambique
deve buscar esses investidores, precisa deles, mas nunca esquecendo de
implementar políticas que garantam benefícios para o pequeno agricultor e demais
população rural do pais. As duas condições são totalmente compatíveis, mas há
que induzir e garantir que assim aconteça.
Não se espere dos investidores que tenham na sua essência um perfil filantrópico. Isso
é responsabilidade do estado com apoio de ONG’s sérias... mas só as sérias!
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