
Por António M. G. Lemos
Volta e meia abro o meu Mail e vejo que não tenho notícias novas e pessoais, e sim pedidos para aceitar um amigo ou amiga, no MSN , Yahoo, Orkut, Netlog, Facebook Network, ou seja lá como todos esses “Friends Networks”, primos do Big Brother, se chamem.
Antes, para evitar melindres, ainda me dava o trabalho de responder à pessoa que me havia enviado o pedido de “aceite”. Hoje já são tantos que se lhes ajuntar os E-mails que são repassados de massa para massa, (chego a receber o mesmo Mail 3 vezes), não me sobraria tempo para ler algo verdadeiramente interessante, ou mesmo usar o meu tempo livre, fora da telinha.
Na minha vida privada real, costumam me perguntar pelo meu nome de membro de uma dessas “rede de amigos”. E quando respondo que nem membro do “Bompreço”, ou do “Pingo Doce” sou, de resposta recebo um indignado(!?); Oooh pá, não sejas chato! Diz’me lá pá. Ou não és meu’migo? Ou, “Qual é brother? Não enche o saco meu! Abre o jogo mai frendchi...”
Se governos totalitários até hoje não conseguiram que a Humanidade andasse toda vestida de verde-oliva, ou roupas que nos escondessem a maior parte do corpo, e deixássemos de pensar, para o Estado vigente pensar por nós. O tal mundo de manipulação Global - apesar de parecido, não confundir com a TV Globo do Brasil - conseguiu que da Antártica ao Ártico, se consumam os mesmos produtos, valores e códigos de conduta. O “IN” do urso polar, passou a ser o mesmo do pingüim real do sul. Todo mundo numa Nikentendo meu!
Se antes resistíamos ao poder de manipulação das massas, hoje de biquínis e shorts iguais, pulamos voluntariamente e de sorriso escancarado, na piscina do “Grande Irmão”.
Quando pergunto porque é que têm que pertencer a tais grupos ouço várias justificativas. Uma delas que pretende explicar porque é que arrumam tempo para ficar horas em frente do Facebook, e não investem 15 minutos para tomar um copo depois do trabalho com um amigo ou colega de trabalho, acho extremamente interessante; “trabalho muito, as obrigações familiares... e como não tenho tempo para encontrar as pessoas que gosto...” (!?)
Outra justificativa que parece ter sucesso, pois é usada por muitos, e acho mesmo a mais “queridinha” de todas; “...nem imaginas, como tenho encontrado amigos que não vejo há anos!” (Só não me explicam depois como é que com a falta de tempo diária para cuidar das amizades atuais, ainda arrumam tempo para os amigos do passado.)
A justificativa que melhor esclarece a solidão dos cidadãos do mundo do Grande Irmão é sem dúvida; “Sabes quantos amigos eu já tenho? 247!!!” (Mesmo não tendo cem por cento de certeza, se também reconheceriam todos esses amigos, se porventura os encontrassem na sua vida privada, em lugares públicos e convívio social. )
Tudo bem, não devo ser tão “conservador” ou “extremista” e aceitar um pouco mais os “ins” de hoje. Afinal também gosto de jogar futebol e xadrez com algum incógnito do outro lado do mundo ...sem trocar uma palavra. E afinal também não posso garantir que se antes investíamos o nosso tempo livre colecionando moedas e selos, fosse realmente mais interessante que colecionar e bater recortes de amigos virtuais. Nessa coleção, devo ser o pior de todos, afinal só tenho 5, que entraram de gaiato no meu navio, quando eu ainda não me tinha apercebido, das dimensões da moda. E agora nem sei mais como os apagar, sem os apagar da minha lista de endereços de mails.
O que me impressiona é que a força do voyeurismo parece ter renascido em cada um de nós com uma força quase doentia. Mais importante do que escrever algumas linhas, que mesmo por poucas e curtas, fossem pessoais e dirigidas a uma só pessoa que tenhamos a vontade e necessidade de escrever. O porreiro, o legal, o bué da fixe, o cool, o geil..etc, é colocar as “news” no ventilador do mundo virtual e espalha-las aos quatro ventos. Uma espécie de auto-paparazzi. Fazemos a notícia e divulgamos com uma frase num desses “Friendly Network”.
Mesmo que não tenha interesse nenhum em saber, ao abrir alguns dos provedores de E-mail, sou confrontado com “informações” como; “estou no banho e já volto”, “estou feliz, amanhã parto para a Turquia”, “deitado em casa com uma gripe”, “riscaram o meu carro snif,snif”, etc, etc...
Raios que me partam, quem lhes pediu para me colocarem na posição de voyeur!? É por isso que se no início dessa moda, ainda havia aceito algum desses pedidos para evitar melindres, já faz tempo que passei a rejeitar todos eles. Desde então, podem ir ao banheiro á vontade sem me explicar que em breve “vai feder”. Eu cá uso o banheiro para resolver negócios, que ninguém no mundo pode resolver por mim. Ou seja, papo privado mesmo!
Da mesma forma que eu digo Não à colocação de câmaras de vídeo espalhadas por escolas, estádios, ruas, estações de metrô e trens, que alegadamente deverão diminuir a violência em certos locais “nefrálgicos” das nossas cidades e sociedades. Por estar certo de que tais medidas na verdade não combatem as causas e sim, as conseqüências do problema. E ainda roubam de paralelo, a liberdade e privacidade da maioria dos inocentes da sociedade. Também me nego a abdicar voluntariamente do meu direito de privacidade, e a assumir o lema do “Grande Irmão” - “Guerra é paz, Liberdade é escravidão, Ignorância é força.” - do mundo totalitário , escrito por George Orwell no seu livro “1984” . Onde os Ministérios da Verdade, Paz, Fartura e Amor, controlam a informação, a memória, a fome, a guerra. Ou seja, o “Grande Irmão” ama, pensa e decide por todos os cidadãos.
Gostos não se discutem, e se eu respeito os vossos, por favor não levem pessoal e nem se melindrem se rejeito os vossos “aceite”. Com os Amigos “de longe”, antigos ou novos, mantenho as amizades vivas através de E-mails, e conferencia de voz e câmara. (Cartas continuam sendo as mais raras e ansiadas). Para os amigos “de perto” procuro priorizar o tempo e cuidar das amizades, como sempre fiz. Com encontros mesmo que às vezes mais curtos que a vontade, em casa, no bar, jardim, lago, cinema da esquina, motel, ou na igreja.
Com as novas tendências e modas da Sociedade Virtual, nos vejo cantando e rindo, marchando voluntariamente para esse mundo de G. Orwell, que já é parte real dos nossos dias.
Por isso não me empurrem! Não vou pular no mar do “Partido IN” atual, e nem vou aceitar a verdade imposta pelo Ministério da Verdade Virtual. Não serei membro da rede de amigos do “Sejaláqualfor”. Se é para ser peixe, lutarei até ao fim, feito um Merlin.
Vão ter que me pescar à linha corrida, e em alto mar!
Me desculpem meus verdadeiros e reais amigos, mas é que eu continuo um membro conservador do grupo Face to Face.
You “accept me”?
António Maria Gouveia Lemos
16/09/2009