sexta-feira, 9 de abril de 2010

Mais Velho X Mais Novo



Retalhos da crónica “As 3 gerações” de Machado da Graça

(...) Segundo esta teoria houve, na História do Moçambique livre, 3 gerações: A do 25 de Setembro, a do 8 de Março e, agora, a da Viragem.
Já houve um articulista que perguntou o que foi feito, no meio disso tudo, da geração que acolheu a independência, com todos os seus problemas e desafios. Estou totalmente de acordo com ele mas quero ir mais longe.
E penso que nos devemos perguntar se essa geração do 25 de Setembro saiu do nada. Qual foi o papel dos Craveirinhas, Noémias de Sousa e tantos outros que formaram, ideológicamente, muitos dos que viriam a pegar em armas. Ou, pelo menos, muitos dos que viriam a dirigir os que pegaram em armas, o que não é bem a mesma coisa.(...)

(...) Tudo isto para dizer que esta divisão, actual e simplista, em 3 gerações é, em termos teóricos, uma aberração sem ponta por onde se lhe pegue. (...)

(...) E onde é que fica a geração do carapau e do repolho? A geração do “não há”? (...)

(...) Não me parece que seja possível falar de gerações, muito bem definidas, em todo este processo. E, muito menos, reduzí-las a 3.
Houve, na nossa História, um processo que se foi desenvolvendo, umas coisas levando a outras até se chegar ao hoje que vivemos. Coisas boas e, também, coisas más.
Mas, nesta nova definição das gerações, há uma outra coisa que me faz espécie: O que quer dizer “geração da viragem”?


Retalhos da crônica Respondendo a Machado da Graça: Datas não constituem compartimentos estanques, por Júlio Muthisse

(...) Na sua última crónica, o conceituado jornalista Machado da Graça alega existir uma teoria das três gerações com a qual diz não concordar. Não concorda, entre outras razões, porque não sabe “o que foi feito, no meio de tudo isto, da geração que acolheu a independência, com todos os seus problemas e desafios”. Pergunta também, ”...qual foi o papel dos Craveirinhas, Noémias de Sousa e tantos outros que formaram ideologicamente muitos dos que viriam a pegar em armas...”.(...)

(...)As pessoas que ele e João Mosca diz que receberam a independência, onde estavam quando a geração do 25 de Setembro recuperava a nossa dignidade a ferro e fogo? Se já eram grandinhos, deveriam se ter juntado à geração do 25 de Setembro que congregava pessoas de todas as regiões, de todas as etnias, de todas as raças. Digam-nos onde estavam enquanto os outros lutavam. (...)

(...)A história de Moçambique não pode ser vista de forma desgarrada e, na sua análise, as datas não devem constituir compartimentos estanques. Entendo as datas como representativas de determinados marcos importantes, não de acções isoladas mas de processos que se preparam, organizam ao longo do tempo e se efectivam em datas e espaços devidamente localizados.
É assim que vejo o 25 de Setembro. É um marco importante em todo o movimento secular... (...)

(...) O país não esqueceu esses compatriotas. Um aspecto grosseiro na análise do Mais Velho quando fala do 25 de Setembro e da geração que o protagonizou, é afirmar ou pensar que se dá relevo apenas aos que pegaram em armas e expulsaram os colonialistas de Moçambique. (...)

(...)Com o nível de conhecimento que eu atribuo ao Mais Velho, não posso crer que ele não saiba que para além da frente militar e dentro do quadro do 25 de Setembro, tivemos a actuação das frentes políticas, diplomáticas, culturais, sociais; que enquanto uns combatiam empunhando armas, outros actuavam na organização, na cultura, na mobilização, reconhecimento e em tantas outras missões e frentes. (...)

(...)Portanto, não acho que o Presidente da República tenha instituído uma “Geração de Viragem”. Acho, isso sim, que a mensagem é de que os moçambicanos de hoje podem e têm capacidade para lutar e vencer a pobreza. A insistência do Presidente da República é no sentido de despertar as “forças” dos moçambicanos para aquilo que são as prioridades do momento. (...)

(...)Conquistada a independência, construídos os pilares pelos quais assenta a máquina administrativa do Estado a todos os níveis, continuamos a assistir muitos moçambicanos que vivem no limiar da pobreza, com carências a todos os níveis. O trabalho dos moçambicanos de hoje na luta contra este flagelo, pode fazer emergir no futuro o que orgulhosamente chamaremos de Geração de Viragem. Gostaria de ser parte dela pelo que, Mais Velho, coloquemos mãos a obra.


Agora eu...

Não conheço o Machado da Graça, o Mais Velho, como também não conheço Júlio Muthisse, que passarei desde já a chamar do Mais Novo. Não defino estes cognomes pelas idades, pois não as conheço, mas sim para dar sequência à semântica que o Mais Novo usou na sua crônica e talvez até com uma certa correlação com a maturidade apresentada por um e por outro.
Não os conhecendo, não pretendo defender ou atacar um ou outro, mas sim usar as crônicas de ambos, e as idéias ali apresentadas, para tentar ainda que à distancia, e que não vejam pecado nisso, mostrar o que entendi e não entendi dos textos em questão e o meu próprio entendimento, um moçambicano que saíu da sua terra natal um pouco antes do 25 de Junho de 1975. Tenho receio que com esta última característica os mais novos de Moçambique até nem me ouçam até ao fim.
O Mais Novo sai em resposta à crônica do Mais Velho em um tom de discordância ao posicionamento deste último. Mas vou lendo o seu texto e chego a pensar que ele só estava a brincar nas suas primeiras linhas, pois me parece que ele vai solidificando e concordando com visão questionadora do Mais Velho em relação ao já badalado desenho das “3 Gerações”.
Só que também percebo que se o mais novo afirma que “A história de Moçambique não pode ser vista de forma desgarrada”, defende ainda assim o conceito das 3 gerações, o que fica um tanto contraditório pois acaba por dar especial luz a um período, e mesmo tentando disfarçar, colocando o foco apenas em uma certa parte dos responsáveis pela conquista da liberdade que os moçambicanos conquistaram.
O Mais Novo induz os seus leitores a acreditarem que o Mais Velho tenta desvincular de datas representivas os nomes de Cravirinha e Noêmia quando este fala de Craveirinhas e Noémias. Esquece, ou quer fazer os seus leitores esquecerem, que a colocação destes nomes no plural é exatamente uma forma figurativa de mostrar que houve mais do que um ou dois “Craveirinha”, que também houveram Pereiras, Rodrigues, Albinos, Rabecas, Silvas, e que alguns por falta de outra alternativa ou por convicção ficaram, e que outros mais por convicção do que falta de alternativa acabaram por deixar Moçambique antes ou depois do 25 de Junho. E não vou nem mesmo aqui detalhar os vários tipos de convicção que fizeram uns e outros abandonarem o sonho moçambicano, porque é sabido que o sonho de uns era de facto o pesadelo de outros, ainda que ambos tivessem convictos que deveriam abandonar o que eram os seus sonhos.
Não seria sério da minha parte desqualificar a luta armada na conquista da Independência de Moçambique. Mas é também desonesto não conhecer ou não querer conhecer a realidade de Moçambique nos tempos coloniais onde nem todos eram “colonialistas”.
É desonesto, por exemplo, não dar a devida importância a uma parcela importante do jornalismo moçambicano dos tempos coloniais na sua participação em procurar, dentro de todas as dificuldades de uma ditadura salazarista, transmitir a verdade sobre a dita sociedade “colonialista”, ajudando assim, em muito, que grande parte da população fosse mais receptiva aos movimentos em favor da liberdade de Moçambique. É desonesto também achar que além da Frelimo e do jornalismo de então não haviam outras estruturas da sociedade que abriam caminhos e clima para que a resistência à luta pela independência não fosse maior, fossem estas células da sociedade ligadas às artes ou não, como exemplificaram o Mais Novo no seu ponto de vista, e o Mais Velho no seu. Penso que era isto que também o Mais Velho buscou mostrar na sua crônica, além de outros recados que tentou passar.
No final da sua crônica o Mais Novo busca esclarecer o que seria a geração da viragem, mas esqueceu de nos tentar esclarecer de forma clara o que seriam as duas outras gerações anteriores. Como elas estariam correlacionadas com o não desmembramento da história e com a necessidade da virada.
E tenho, de novo, entrar em sintonia com o Mais Velho, até mesmo pela forma pouco clara e pouco coerente da explicação dada pelo Mais Novo em relação à terminologia “Geração da Viragem”.
Aqui por terras tupiniquins, em embates esportivos, usa-se o termo de se “virar o jogo” quando começamos perdendo. Penso que se temos uma evolução, ainda que gradativa, mais lenta do que gostaríamos, devemos ter é uma expectativa, se acreditamos de forma honesta do que foi feito até então, de que tenhamos uma geração mais focada e dando prioridade de fato para os menos favorecidos. Que devemos deixar de discursos aparentemente revolucionários mas envelhecidos e darmos passos mais largos, ainda que consistentes, aos reais valores da revolução.
Claro que sim, o mundo muda e nós devemos mudar com ele, mas temos que ser honestos conosco mesmo para avaliar o que não está correndo exatamente como se sonhou. E para isso os mais novos devem se preocupar em conhecer a história que os mais velhos têm a contar. Não se faz história sem se conhecer história.
Mas... que bom que todos nós parecemos concordar é que não devemos aceitar o tal “do vira o disco e toca o mesmo".

(Para os mais novos, disco era o famoso LP, que em tempos modernos é o CD - neste caso não dá nem para virar o disco! -, mas um como outro têm como objetivo mandar música aos nosso ouvidos)
        

7 comentários:

  1. " Agora eu ... "

    tou contigo e acredito que com muitos mais ...

    Beijo Tareca

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  2. Gostei de te ler Zé Paulo, estou contigo e tb acredito que representas uma grande faixa de Moçambicanos/Portugueses, que tinham sonhos para um Moçambique onde imperasse verdadeiramente a Liberdade, a Justiça, a Multiculturalidade e a Igualdade para todos. Custa-me ver que a consequência das precipitações de então deram origem a uma guerra civil onde a destruição, a fome e a infelicidade, foram traumas dificeis de reparar, para muitos.

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  3. ZP, gostei, e como gostei, da maneira que tu acrescentaste as duas crónicas de Machado da Graça e Júlio Muthisse, que já havia lido na integra.
    A História é mundialmente assentada nos Heróis que cada período vivido criou. Onde o soldado desconhecido ganha estátuas e a massa dos Josés e Marias desaparecem no poeira das lutas travadas sem armas, mas com a mesma coragem cívil do nosso-dia-dia. (Constituída por advogados,intelectuais, operários,lavadeiras, etc, reivindicando direitos e assumindo a auto-crítica, como "armas" a ser usadas pela manipulação histórica).
    Viva o Cidadão Desconhecido da História Mundial.

    Como gostei...de ler estas três crónicas.
    Um abraço
    Tó Maria

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  4. Obrigado, Tareca. Também acredito que hajam mais pessoas que vêm o tema como nós.

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  5. Olá, Marinha.
    Como tu também acredito que houveram algumas precipitações na "pré-independencia", mas acredito que as maiores, e junto a algumas posturas de passividade "revolucionárias", vieram mesmo depois do 25 de Junho.

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  6. Tó Maria,
    È! Quem sabe alguem um dia cria uma estátua para os heróis desconhecidos, para aqueles que ajudam a preparar o terreno sem mesmo se vincularem a organizações militares e não militares, sendo apenas honestos intelectualmente.

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  7. Estimado Ze Paulo,
    voltei a Moçambique em 2004 depoisde ter saido em 1975. Senti, como sempre senti em portugal, um distanciamento desta geração mais jovem dos problemas da independencia e uma preocupação muito grande na construção daquilo que chamam hoje, muito por força e influencia do mia couta, a moçambicanidade. O problema real, independentemente de quem queria ou nao construir um país democratico para todos, brancos e negros, foi e continuou durante muito tempo de uma falta clara de identidade. a mesma que me leva a dizer que nao sou nem portugues nem moçambicano, mas como dizia o Rui Knopfli
    Chamais-me europeu? Pronto, calo-me.
    Mas dentro de mim há savanas de aridez
    e planuras sem fim
    com longos rios langues e sinuosos,
    uma fita de fumo vertical,
    um negro e uma viola estalando

    Como me disse um velho resistente da DETA hoje faltam-te 30 anos de moçambique para nos entenderes como povo.
    Existem, talvez mesm 3 gerações, a que quis a independencia mas que falhou nos resultados que pretendia, onde se incluem resistentes anti fascistas brancos e negros, os que queriam uma viragem profunda d eum moçambique so para negros, onde esta o actual presidente e uma geração a crescer que quer cosntruir, e bem, a Moçambicanidade, identidade moçambicana para todos os que nasceram e venham a nascer em moçambique, e que esta pela primeira vez na historia a ser construida.

    cumprimentos,

    joão adriao

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