quinta-feira, 15 de novembro de 2012

ProSavana... e a logística?


Áreas com relevo adequado
à agricultura mecanizada.
Em Maio deste ano estive em Moçambique, acompanhado por mais um diretor da empresa para quem trabalho, para avaliarmos o potencial para investirmos na agricultura, em especial no milho e soja. As terras e condições climáticas, com alguns cuidados, são de um grande potencial para se atingir bons níveis de qualidade e produtividade. A vontade do Estado, dos governos central e provinciais nos seus vários níveis, também é aparente para que encoraje os investidores.
O problema fica na logística, tanto no que se refere a transporte, mas sabendo-se que não é a única variável para a capacidade de escoamento da produção ser eficiente. Há a necessidade de armazéns graneleiros, ou silos, nas próprias regiões de plantio como nas estruturas portuárias. A capacidade de produção de Moçambique, por questões populacionais e mesmo econômicas desta população, vai além da demanda ou capacidade de consumo do país e a exportação não se dá apenas colocando a colheita sobre camiões e os enviar até à China.
Nessa lógica organizacional da logística de escoamento da produção, como do acesso aos fertilizantes e defensivos, ainda está muito imaturo o desenho que o Estado pretende implementar. Aqui devo fazer um parêntese, alertando que tão importante quanto o escoamento da produção é o acesso aos insumos, pois a tecnologia avançada que o mundo exige para se ser competitivo não está somente nos equipamentos de ponta, mas também bastante dependente de um adequado equilíbrio de nutrientes no solo, até para garantir que a terra continue sendo um dos poucos recursos naturais renováveis.  E estas necessidades são possíveis se houverem boas condições de acesso a fertilizantes e defensivos químicos. É claro que os custos dos mesmos devem ser compatíveis, mas trato aqui especialmente o tema de logística, que também depende de transporte e de pontos de armazenagem e/ou pontos de distribuição.
Voltando aos obstáculos em relação ao escoamento da produção agrícola em Moçambique, e que não vi ser devidamente tratado nos projetos de incentivo e busca de investidores.
Manutenção das estradas.
Percorri um pouco mais de 3.000 km de estradas, entre idas e vindas, partindo da Beira e por isso atravessando parte da província de Sofala, como das províncias de Quelimane, Nampula e Cabo Delgado. Além das vias principais como a EN1, grande parte das estradas rurais, de terra batida, têm condições bastante razoáveis para um bom escoamento sobre rodas. Temos no Brasil, em algumas regiões agrícolas, vias sem as mesmas condições e não se deixa por isso de ver bons volumes de produção nas mesmas. Ou seja, pelo o pouco que vi as estradas não são um obstáculo para a movimentação de produtos e insumos. Além desta via, em algumas das regiões por onde passei, o potencial de transporte por ferrovia é muito bom, talvez proporcionalmente aos tamanhos de cada país, até melhor do que temos no Brasil. É claro que com o aumento de fluxo, tanto as rodovias como as ferrovias demandarão de ainda mais  manutenção.
A questão fica realmente na implementação de uma política de logística por parte do governo. Não quero deixar aqui a visão que deva ser o governo a garantir essas condições, mas se o estado não abraçar a ideia de que no seu programa de incentivo à agricultura através de investidores como de incremento na capacidade técnica da agricultura familiar moçambicana há que se dar um bom espaço para logística dos insumos e produtos, penso que será um projeto que estará fadado ao insucesso.
O governo moçambicano precisa criar equipes de articulação entre os vários perfis de investidores que possam vir a se instalar no país.
Posso mesmo afirmar que nos contatos que tive com pessoas do Ministério da Agricultura e de outros órgãos públicos provinciais, não percebi qualquer planejamento ou trabalho nesse sentido. Em todos os níveis destas autoridades o que se percebe é que têm a expectativa que o investidor leve, e implemente, essa rede de forma completa. Chegamos a ouvir que acreditam que o investidor na cultura de soja possa inclusive instalar indústrias como de esmagamento de soja, para produção de óleo e farelo. Isso é pensar pequeno e limitar a motivação de grandes investidores.
Além de ser muito difícil encontrar um investidor que participe em todas as etapas da economia, como plantar, colher, transportar insumos e produção, armazenar, manufaturar, distribuir os seus produtos, ter as suas próprias prateleiras para oferecer ao consumidor final, não é também este um perfil adequado para uma economia que tenha pretensões de melhor distribuição de renda e que os investidores puxem para cima não só a qualidade técnica dos pequenos agricultores como das demais áreas da economia do país.
A empresa para quem trabalho no Brasil, até atua em várias das etapas que, talvez exageradamente, descrevi acima. Nós plantamos soja, milho, e cana de açúcar. Até temos a capacidade de armazenar toda a nossa produção de grãos. Mas o nosso negócio a seguir, de armazenar a nossa capacidade, não sobrevive se também não prestarmos serviços de armazenagem para outros produtores, inclusive para o estado brasileiro nos seus estoques reguladores. Nós até temos uma estrutura em um porto brasileiro para escoar os nossos volumes direcionados para a exportação, de plantio próprio e comprado junto a produtores, mas também não este negócio sobreviveria se ficássemos restritos aos volumes por nós gerados. Para pagar a conta e termos alguma rentabilidade nesse negócio, precisamos também ter outros clientes. Na cana de açúcar até que a produção total é direcionada para uma usina de álcool do grupo e esta é somente abastecida pela nossa produção de cana. Entre soja e milho, movimentamos anualmente mais de 2 milhões de toneladas e não temos um único caminhão ou trem (comboio) para o fazer.  Isso vale também para o escoamento de álcool anidro e hidratado. Simplesmente não é o nosso negócio. Até temos duas unidades de processamento de soja para produção de óleo bruto e farelo, mas não refinamos este óleo. Não é o nosso negócio. Tem gente sabendo trabalhar com isso melhor. Vendemos o nosso óleo degomado para eles, no mercado interno ou de exportação. É mais inteligente e acaba sendo mais saudável para a economia. Contratamos transportadores para movimentarem o nosso produto, pois são especialistas nisso e por isso mais competentes que nós.
Volto a dizer: no projeto de busca de investidores no agronegócio moçambicano, está faltando uma perna no seu planejamento que é esta questão da logística e de um trabalho direcionado para os vários perfis de investidores necessários para que a agricultura do país decole. Condições se têm, precisa-se é organizar melhor o que se quer e como fazer.
Literalmente pequenos produtores
na agricultura familiar.
E como moçambicano, não posso deixar de pedir. Moçambique deve buscar esses investidores, precisa deles, mas nunca esquecendo de implementar políticas que garantam benefícios para o pequeno agricultor e demais população rural do pais. As duas condições são totalmente compatíveis, mas há que induzir e garantir que assim aconteça.
Não se espere dos investidores que tenham na sua essência um perfil filantrópico. Isso é responsabilidade do estado com apoio de ONG’s sérias... mas só as sérias!

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